quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

POEMA GAY

O falo é um fardo
o corpo, a farda da farsa,
e  eu sou o grito, o berro, o urro, o erro
minhalma é uma menina e meu corpo uma mentira
não sou homem nem mulher
um ser que sobra e falta e desencontra
num mundo diferente de todos os mundos,
o que me conduz é a impossibilidade
o que me reduz é a incompreensão
olham-me como se eu fosse um bicho de outra espécie
e riem e criticam e excluem e odeiam
como se eu fosse um pecado, um errado, doente ou sacana.
Pobre de nós,
mulheres encarceradas em corpo que não é o nosso
como uma alma penada
sapato apertado que não nos pertence
assim eu me sinto cheio de calos,
sufocado, asfixiado, apaixonado
e o espelho me nega
e eu me acho um bicho de outra espécie,
pecado, errado doente ou sacana.
Ah, mas às vezes
eu penso que sou uma mulher enfeitiãda
que teve alterada sua forma
mas que um dia vai se quebrar o encanto
e todo esse engano vai acabar
como se eu tivesse sido sempre uma menina encantada.
Que troca de embalagens foi esta aí dos deuses
que já me mandaram nascer nesse mundo enjoado
com desvantagem
encarnando minhalma em corpo errado
como se houvesse um corpo de homem sobrando
e uma alma feminina condenada?
                                                                                                   Glória Horta
Do livro: "Sangria", Ed. Achiamé, 1984, RJ

                          Fotos: Beto Frota

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